Em uma decisão emblemática, a Câmara dos Deputados ratificou, nesta quarta-feira (15), o Projeto de Lei Complementar 85/24, proposto pelo Poder Executivo, visando à suspensão por três anos dos pagamentos de 36 parcelas mensais da dívida do estado do Rio Grande do Sul com a União. Esta medida emergencial objetiva direcionar recursos financeiros para ações de socorro e reconstrução diante da calamidade pública instaurada pelas recentes chuvas que assolaram a região nas últimas semanas. O texto aprovado será encaminhado para apreciação no Senado Federal.
Sob a relatoria do deputado Afonso Motta (PDT-RS), o projeto sofreu adequações pontuais em sua redação original. Embora tenha sido concebido para a atual conjuntura de desastres naturais, o projeto de lei contemplará futuramente qualquer ente federativo que venha a enfrentar situações de calamidade pública em decorrência de eventos climáticos extremos, desde que reconhecido pelo Congresso Nacional mediante proposta do Executivo federal.
A defesa veemente pela suspensão da dívida do governo gaúcho foi enaltecida pelo deputado Afonso Motta, que ressaltou a necessidade premente de uma estrutura legal que permita ao governo federal refinanciar as dívidas dos estados impactados por desastres de proporções avassaladoras.
“A tragédia incalculável que se abateu sobre o Rio Grande do Sul prova sem sombra de dúvida que é necessário haver um dispositivo legal autorizando o governo federal a refinanciar as dívidas dos Estados eventualmente atingidos por calamidades públicas”, enfatizou.
Outro parlamentar presente na discussão, Jilmar Tatto (PT-SP), destacou que a proposta não se restringe a um único estado, pois abrange todos os estados e municípios que enfrentam situações de calamidade pública. “É uma medida responsável e não existe privilégio a um estado apenas”, afirmou.
A magnitude do débito do Rio Grande do Sul com a União atualmente se aproxima dos R$ 100 bilhões. Com a suspensão das parcelas, estima-se que o estado possa destinar cerca de R$ 11 bilhões, ao longo de três anos, para ações de reconstrução, em detrimento do pagamento da dívida neste período.
No entanto, uma ressalva importante se faz necessária quanto à possibilidade de queda na arrecadação estadual, devido à paralisia persistente das atividades industriais e comerciais em diversas áreas do estado. Esta arrecadação é tradicionalmente destinada ao pagamento das parcelas da dívida com a União.
Em 2023, o estado apresentou um superávit orçamentário de R$ 3,6 bilhões, cifra semelhante à registrada em 2022, que foi de R$ 3,3 bilhões.
Segundo dados do portal Tesouro Nacional Transparente, entre 2021 e 2023, a União repassou ao Rio Grande do Sul cerca de R$ 8,8 bilhões, provenientes de dispositivos constitucionais ou legais, tais como royalties, parcela Cide-Combustíveis, Fundo de Participação dos Estados (FPE), entre outros.
O Projeto de Lei Complementar 85/24 prevê a suspensão do pagamento das parcelas da dívida por até 36 meses, em casos de calamidades provocadas por eventos climáticos extremos, incluindo uma isenção temporária da incidência de juros de refinanciamento, que atualmente estão fixados em 4% ao ano pela Lei Complementar 148/17.
Durante o período de suspensão, a dívida será corrigida monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), não estando mais sujeita ao limite da variação da taxa Selic. Todos os valores não pagos serão contabilizados à parte e acrescidos ao saldo devedor após o término da suspensão, sem extensão do prazo total de refinanciamento.
Para garantir a transparência no uso dos recursos liberados, o ente federativo beneficiado será obrigado a prestar contas quanto à sua aplicação, correlacionando as ações desenvolvidas com os recursos não pagos à União. Após 90 dias do encerramento de cada exercício, será exigido um relatório de comprovação da aplicação dos recursos.
Além disso, o projeto impõe como condição para a assinatura do termo aditivo a suspensão de quaisquer ações judiciais existentes e o compromisso de não propor novas ações questionando as dívidas, contratos ou execução de garantias ou contragarantias da União, durante o período de suspensão das parcelas da dívida e em relação ao decreto legislativo de reconhecimento de calamidade.
Apesar da aprovação, alguns parlamentares gaúchos defenderam a anistia da dívida ao invés da suspensão. A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) ressaltou que a dívida, que originalmente era de R$ 7 bilhões na década de 1990, hoje ultrapassa os R$ 92 bilhões, caracterizando uma espécie de “garroteamento” financeiro sobre o estado.
A discussão em torno da melhor maneira de lidar com o endividamento do Rio Grande do Sul evidencia os desafios estruturais enfrentados pelas unidades federativas, particularmente em momentos de crise e desastres naturais. Enquanto a suspensão dos pagamentos emerge como uma medida paliativa para direcionar recursos imediatos para a reconstrução, a questão da anistia da dívida continua sendo objeto de debate entre os legisladores e a sociedade civil.
Com informações Agência Câmara de Notícias
Fonte: Portal Contábeis