Nos últimos tempos, tem se observado uma crescente tendência de migração internacional, não só entre brasileiros, mas também entre cidadãos de diversas outras nações. Essa mudança geográfica muitas vezes resulta na alteração da residência fiscal, um fator que desencadeia implicações significativas, especialmente no que diz respeito aos rendimentos provenientes de trabalho e de ativos financeiros.
A mudança de residência fiscal, embora não seja uma novidade no contexto da tributação internacional, traz consigo desafios que nem sempre são abordados de maneira eficaz pelos atuais tratados contra a dupla tributação. Esses acordos, que visam evitar que um mesmo rendimento seja tributado em dois países diferentes, não foram concebidos para lidar com o aumento recente de migrações e com a complexidade fiscal decorrente disso.
No cenário pós-pandemia, o direito tributário internacional se viu confrontado com uma nova realidade: por um lado, muitos países têm oferecido benefícios fiscais para atrair novos residentes, mantendo-os fora do escopo de tributação como não residentes fiscais; por outro lado, esses mesmos países endureceram suas leis relativas às Controladas no Exterior Controlled Foreign Corporations (CFC), especialmente para pessoas físicas. Esse movimento cria uma espécie de competição fiscal prejudicial entre as jurisdições que buscam atrair ou manter residentes, resultando em uma verdadeira encruzilhada fiscal para os migrantes.
As regras que governam essa questão variam amplamente, criando uma mistura de normas que, em alguns casos, geram mais incerteza jurídica do que clareza. No âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, existe uma sobreposição entre as normas de soft law, como o Relatório sobre Mobilidade Fiscal e a Ação 3 do projeto BEPS, e as leis internas dos países, o que complica ainda mais o cenário.
Um caso emblemático dessa situação foi observado após a regularização de ativos no exterior por brasileiros em 2013, através de um programa de anistia. Muitos desses brasileiros decidiram estabelecer residência em Portugal, aproveitando-se do regime de Residente Não Habitual (RNH), que oferece vantagens fiscais consideráveis, especialmente para rendimentos do exterior. No entanto, após o término dos 10 anos de vigência desse regime, os brasileiros que se mudaram para Portugal se viram diante das regras de CFC para pessoas físicas, que são bastante rígidas e abrangentes.
Essa questão ganhou ainda mais complexidade em 2021, quando alguns países europeus, ao implementarem uma diretiva da União Europeia originalmente destinada a CFC entre empresas, decidiram estender o regime de transparência fiscal para pessoas físicas. Essa medida, que visava combater o uso de empresas de renda passiva (Passive Foreign Investment Companies – PFIC) por pessoas físicas, acabou criando novos refúgios fiscais dentro da própria União Europeia.
A razão para essa situação paradoxal reside no princípio da livre circulação de capitais, que impede que as regras fiscais internas dos países sejam aplicadas de forma contrária aos tratados constitutivos da União Europeia. O Tribunal de Justiça da UE, em diversos precedentes, tem reafirmado que a livre movimentação de capitais deve prevalecer sobre as normas anti-abuso, o que, por sua vez, limita a eficácia das medidas contra a evasão fiscal.
Outro fator complicador é a aplicação dos tratados contra a dupla tributação, que em alguns casos, ao invés de aliviar, acabam exacerbando a carga tributária. Um exemplo disso é o tratamento de dividendos recebidos por não residentes de países como o Brasil. Sob certas cláusulas de isenção de dividendos, um brasileiro residente na Europa que receba rendimentos de uma empresa brasileira pode acabar sendo tributado de forma mais onerosa do que se estivesse recebendo dividendos de uma empresa local, especialmente quando os rendimentos são classificados como semi passivos, como royalties ou receitas de imóveis.
Essa situação é agravada pelas altas alíquotas aplicadas nas regras de CFC para pessoas físicas na Europa, que muitas vezes são equiparadas às alíquotas sobre rendimentos do trabalho, podendo chegar a até 50%, em comparação com as alíquotas de 15% a 25% aplicadas aos rendimentos financeiros.
Diante desse cenário, é fundamental que os indivíduos que consideram a mudança de residência fiscal realizem uma análise detalhada dos impactos tributários potenciais. Com informações Jota.info
Fonte: Portal Contábeis